Som que Conecta, Ritmo que Acalma
Para muitas crianças com Perturbação do Espectro do Autismo (PEA), comunicar, interagir ou simplesmente regular-se num ambiente cheio de estímulos pode ser um enorme desafio. A musicoterapia surge, neste cenário, como uma ponte sensorial — segura, lúdica e emocionalmente acessível — que tem vindo a ganhar reconhecimento tanto na prática clínica como na investigação científica.
Neste guia, reunimos as principais evidências e práticas recomendadas para quem deseja compreender ou aplicar a música como ferramenta terapêutica junto de crianças com PEA.
O que dizem os estudos?
A ciência ainda procura respostas definitivas, mas há consenso crescente sobre os benefícios da musicoterapia no autismo:
Melhoria global dos sintomas
Revisões sistemáticas (incluindo da Cochrane) indicam que a musicoterapia pode:
– Reduzir a gravidade de sintomas do espectro
– Melhorar a qualidade de vida
– Aumentar a motivação para interagir
Comunicação e habilidades sociais
– Estimula a comunicação verbal e não verbal
– Favorece a reciprocidade (perceber e responder ao outro)
– Cria oportunidades de partilha, escuta e atenção conjunta
Regulação e bem-estar
– Ajuda na regulação emocional
– Melhora atenção, foco e flexibilidade cognitiva
– Reduz comportamentos repetitivos em alguns casos
Segurança
– Nenhum aumento de eventos adversos associado à prática
– Pode ser integrada de forma complementar a outras terapias
Nota importante: Apesar dos resultados promissores, muitas investigações apresentam limitações metodológicas, o que torna a evidência de qualidade moderada a baixa. Ainda assim, o consenso clínico recomenda o uso como parte de um plano terapêutico multidisciplinar.
Práticas recomendadas em musicoterapia para PEA
1. Improvisação musical estruturada
O terapeuta cria sons a partir das expressões da criança — um gesto, um som vocal, um olhar. Essa “conversa sonora” incentiva a comunicação espontânea, sem pressão verbal.
2. Canções familiares e repetitivas
Usar músicas que a criança já conhece (ou cria com ela) ajuda a prever o que vem a seguir, favorecendo segurança, antecipação e participação.
3. Escolhas e respostas musicais
Dar à criança a possibilidade de escolher o instrumento, o ritmo ou a canção é uma forma eficaz de estimular autonomia e expressão individual.
4. Integração com movimento
Combinar música com gestos, dança ou batidas no corpo melhora a atenção, ajuda na coordenação motora e facilita a regulação sensorial.
5. Sessões individuais ou em grupo pequeno
Ambos os formatos são válidos. Sessões individuais permitem maior adaptação; grupos pequenos favorecem interacções sociais seguras e com apoio mediado.
Exemplos práticos
– Usar um tambor para marcar turnos: um bate, o outro responde
– Cantar com pausas para que a criança complete (ex.: “A galinha põe o…”)
– Improvisar com xilofones ou sinos de cores — cada som pode representar uma emoção
– Criar uma rotina musical previsível: início com uma canção de boas-vindas, meio com exploração e fim com relaxamento sonoro
Conclusão: música como espaço de ligação
A musicoterapia não promete “curar” o autismo — nem deve. O que propõe é criar um espaço sonoro seguro onde a criança possa expressar-se, relacionar-se e sentir-se compreendida.
Quando usada com sensibilidade, técnica e respeito, a música transforma-se em linguagem.
E para muitas crianças com PEA, essa pode ser a forma mais natural de começar a comunicar com o mundo.
Porque às vezes, a primeira conversa não tem palavras — tem ritmo, som… e presença
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