Avaliar com Ouvido, Olhar e Intenção
A música diz muito — mas nem sempre em palavras. Na musicoterapia, acompanhar o progresso de uma criança ou jovem não se faz apenas com testes ou gráficos: exige escuta atenta, sensibilidade relacional e critérios práticos. Ainda assim, é possível — e essencial — medir o impacto do trabalho terapêutico com ferramentas acessíveis e adaptáveis à realidade de cada contexto.
Neste guia, reunimos métricas simples e combinadas que ajudam a registar e comunicar avanços de forma clara, sem perder o lado humano e intuitivo da prática musical.
1. Observação sistemática (com estrutura leve)
Durante ou logo após cada sessão, o musicoterapeuta pode anotar:
- Nível de participação (passivo, receptivo, activo, criativo)
- Iniciativa (responde ao estímulo ou inicia interacção musical?)
- Expressão emocional (sinais de prazer, frustração, regulação…)
- Interacção social (sozinho, com o terapeuta, em grupo)
- Resposta à música (mantém ritmo? imita? improvisa?)
Dica: usar checklists com escalas simples:
→ Participação: 0 (nenhuma) | 1 (baixa) | 2 (moderada) | 3 (alta)
→ Expressividade: nunca / às vezes / sempre
2. Escalas e questionários breves
Ferramentas preenchidas pelo próprio paciente (se possível), familiares ou educadores:
Exemplos de itens (escala de 1 a 5):
– Demonstra mais interesse por actividades sonoras
– Mostra maior capacidade de concentração
– Está mais confiante na expressão de sentimentos
– Interage melhor com os pares
– Fala ou canta mais espontaneamente
Também podem incluir perguntas abertas:
– “Notou alguma mudança desde o início da musicoterapia?”
– “Há momentos em casa em que canta ou reproduz o que fez na sessão?”
3. Indicadores quantitativos simples
Ao longo das sessões, registar com números:
- Número de interacções espontâneas
- Duração do envolvimento contínuo com a música (em minutos)
- Número de vezes que usou a voz ou instrumento por iniciativa própria
- Frequência de comportamentos-alvo (ex.: olhar, contacto físico, verbalização)
Estes dados podem ser organizados por sessão e comparados mês a mês.
4. Análise musical evolutiva
Mesmo sem grande formalismo técnico, é possível observar:
- Aumento da variedade de sons usados
- Melhoria na precisão rítmica ou melódica
- Maior autonomia na escolha de instrumentos
- Uso mais livre da voz cantada ou falada
- Capacidade crescente de responder musicalmente ao outro
A gravação de trechos seleccionados (com consentimento) pode servir como documento de progresso visível e auditivo.
5. Entrevistas breves (mas regulares)
Conversas rápidas e estruturadas com familiares ou educadores ajudam a cruzar percepções. Podem acontecer a cada 4–6 semanas, com perguntas como:
– O que mudou no dia-a-dia?
– Há novas expressões, atitudes ou interesses?
– Como a criança fala da musicoterapia em casa?
Este feedback externo é valioso para validar o que se observa em sessão.
Exemplo de ficha simples por sessão:
Indicador | Resultado |
Participação activa | Sim |
Expressou emoções positivas | Às vezes |
Iniciou interacção musical | 3 vezes |
Usou palavras durante a música | Sim |
Família notou progresso geral | 4 (em 5) |
Conclusão: medir sem engessar
Avaliar em musicoterapia é reconhecer os sinais — sonoros, corporais, emocionais — de que algo está a mudar.
Com ferramentas simples, adaptadas e consistentes, o terapeuta pode acompanhar, ajustar e comunicar o progresso com clareza — sem perder o que mais importa: a escuta afectiva, o tempo de cada um, e o poder da música como catalisador de transformação.
Porque às vezes, a maior métrica é aquela que se ouve num sorriso… ou numa batida de tambor inesperada
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